A liberdade na chuva
As gotas caem do céu em forma de tempestades, e aqui estou mais
uma vez a meditar. O que posso pensar quando vejo esta chuva? Poderia eu pensar
que os pingos d’água caem de acordo com a força da gravidade que atua sobre
eles. Mas o que isto tem a ver conosco? Óbvio que tudo! Ao menos aos meus
olhos, me parece que nos mostram a mais bela poesia com seu som ao se chocarem
com o chão e se desfazerem de sua original forma enquanto caíam. Me parece que
assim também o somos, temos um destino que naturalmente vai sendo construído conforme
o universo vai atuando.
Mas, será que somos livres
para escolher o nosso futuro? A questão da liberdade me parece um tanto
complexa, já que aborda tantos pontos de vista distintos. Evidentemente devo
começar pela definição ...Então, o que é liberdade? Não sei definir, embora
possa trazer algumas ideias que a mostrem. Tivemos ao longo da humanidade
muitos pensadores que tentaram definir a liberdade, autores como: Tomás de
Aquino (desenvolvedor do conceito do livre arbítrio), Espinosa (com o conceito
unido ao da felicidade e contentamento e de que só assim a experimentamos), Rudolf Steiner (este último não li nenhuma obra
ou trecho infelizmente, mas li sobre os conceitos que desenvolveu sobre a
liberdade de agir e pensar).
Penso que poderíamos passar pelos conceitos
dos dois primeiros autores que citei para assim começarmos nossa reflexão, e de
fato seria uma boa, mas é impensável comentar a obra de qualquer um deles em um
dos meus textos. Seria necessário uma quantidade enorme de palavras e
aprofundamentos que não caberiam aqui e nem ao propósito do blog. O que me
resta então é tentar trazer alguns poucos pensamentos para que os meus leitores
vão em busca da profundidade por conta própria.
Começaria então questionando se temos a
liberdade em nós. Será que temos mesmo? A ideia oposta e muito propagada por
pouco entendedores do assunto, de que somos seres totalmente livres, me parece vazia
de embasamento e claramente fora do que seria aceitável para ao menos merecer o
tempo e as palavras aqui gastas. Agora... o oposto me parece totalmente interessante,
já que podemos entrar na dimensão contingencial que acomete o universo. Tudo ao
nosso redor está constantemente nos bombardeando de ideias e atos, e podemos
acabar entrando na paranoia de que somos meros resultados de uma sequência de
acontecimentos. De fato o somos, mas não acho que inteiramente, já que ainda
algumas coisas nos pode trazer uma questão que podemos colocar em pratica a
pouca liberdade que temos.
Esta é uma ideia questionável, apesar de
acreditar que ela baste para a pergunta. Por que questionável? Porque ainda que
de fato alguns momentos que podemos exercer esta ‘’liberdade’’ que temos, é
duvidoso se as nossas escolhas não seriam ainda definidas por contingências
passadas. Por exemplo, se uma pessoa que está prestes a sair de casa percebe
que provavelmente choverá e fará frio(evento natural e incontrolável. Embora alguns
loucos ainda estejam tentando mudar isso), então ela parece ter uma escolha
para fazer: fechar a porta de novo e voltar para vestir um casaco ou prosseguir
somente com a roupa que estiver vestindo (neste caso inapropriada para a situação).
Então, ela retorna ao seu guarda-roupas porque se lembrou que a última vez que
saiu desta forma nestas condições, ficou resfriada. Voltando ao seu armário,
encontra duas blusas que seriam boas para a circunstância e que combinariam
perfeitamente com suas vestimentas(para desconsiderarmos aqui a questão da aparência
e vaidade). Neste caso, se pega em mais um momento de escolha, e, ao perceber
que uma das blusas é a do seu time de futebol preferido, resolve ir com ela. Analisando
assim a bobinha situação que criei, podemos ter uma ideia da armadilha que pode
existir nesta maneira de pensar.
Existe a ideia por trás de que moldamos certas
opiniões a partir de eventos dos quais não temos qualquer escolha, como; a
sociedade que nascemos, o período da história que nascemos, a família, o círculo
social inicialmente no qual estamos envolvidos... A partir disso formamos nossa
psique essencialmente com ideias não optativas, ou ao menos temos a tendência à
elas, como diria Freud. Estas ideias iniciais podem ser o fator de determinação
para escolhas futuras que tenhamos que fazer, como no exemplo citado onde a
pessoa nasceu sob certas circunstâncias que a fizeram optar pelo casaco daquele
time pelo qual torcia, predileção que pode ser fruto de acontecimentos do
anteriores. Na verdade, não seria difícil ter essa ideia de que algumas das
poucas decisões que tomamos são resultado de algo passado, o que seria mesmo inviável,
seria tentar determinar com exatidão o momento que aquela ideia foi aderida
pela psique.
Bom, mas se eu concordo com o ponto de vista
que temos alguma liberdade (não tanta, mas a temos), por que argumentaria com
uma ideia de que diz que somos resultados de eventos nos quais não temos qualquer
poder de decisão? Simples... minha vontade é trazer uma armadilha argumentativa
escondida. As contingências, quando são eventos de humanos, estão essencialmente
plenas de liberdade em sua essência em relação ao praticante e totalmente
vazias em relação ao/aos receptores. Ou seja, há sim liberdade nos eventos que
ocorrem, mesmo que não tenhamos controle dela a todo momento e que ela não parta
de nós. Seria ainda difícil encontrar uma raíz para a liberdade em sua forma
mais pura, já que mesmo tendo ela, já vem carregada de tendências e ideias que
anteriormente foram também liberdade de terceiros. Aos crentes em Deus assim
como eu, ela está no próprio Deus e nunca se fez totalmente limpa de influência
ao homem.
Daria ainda para ir mais profundo nesta questão
e pensar na ideia de que a influência divina teria resultado em vários pontos durante
a humanidade e que isto mudaria as sociedades, famílias, círculos sociais, nós
mesmos... E não deixa de ser uma questão interessante se aprofundarmos para o âmbito
das diversas religiões, já que essencialmente tem a mesma natureza, mas
divergiram conforme outras ocorrências afetaram no seu rumo.
Somos como os pingos d’água, resultados da evaporação
e tendendo ao chão por esta força maior que nos dá ainda a decisão de escolher
em parte algumas coisas da vida, e que mudarão onde cairemos, mas que não mudam
o fato que nossa trajetória é para baixo. A liberdade nos dá ainda as escolhas
que dirão onde será nossa queda, mas ela inevitavelmente chegará. E o de mais
belo nisso é que seremos poesia aos ouvidos de outros assim como os pingos que
agora caem são para mim.
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